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Em Montes Claros, recebem-nos sempre de braços abertos

Em Montes Claros, recebem-nos sempre de braços abertos

América do Sul, Brasil, Viagem

Sinto-me verdadeiramente privilegiado por estar no Brasil pela quinta vez. Tudo somado, vivi meio ano da minha vida neste país. Aqui festejei o fim do curso, por aqui cirandei em solteiro, aqui vivemos o nosso primeiro mês de casados e aqui celebramos agora o dom que são os filhos. Mas foi a missão com o MSV em Montes Claros que me ligou de vez ao Brasil. E porque somos eternamente responsáveis por aqueles que cativamos (e que nos cativam), passei por lá de cada vez que voltei a este país. Até na lua-de-mel. Por isso, claro que estes viajantes sentimentais tinham de incluir nesta aventura uma visita a Montes Claros, e não por critérios de interesse turístico.

Em 2003, passei dois meses nesta cidade do interior de Minas Gerais, com mais quatro amigos. Em três bairros da periferia, ensinámos e brincámos com as crianças, visitámos as famílias e colaborámos com as irmãs que lá trabalhavam. Fomos parte da comunidade e absorvemos lições para a vida. Antes e depois de nós, mais duas ou três dezenas de amigos do MSV passaram por lá. Além dos laços pessoais, ficou também um centro de ocupação e formação para crianças, o Aquarela, que ainda funciona.

Se esta experiência de missão marcou a vida de todos, para o Jorge foi uma revolução. Apaixonou-se pela Ju e ficou a viver no bairro. Foi ele que nos foi buscar e levar ao aeroporto, e felizmente pudemos passar bastante tempo com eles. A Luísa brincou muito com a sua filha, Maria Clara.

Tal como na lua-de-mel, ficámos em casa do Ney, sempre generoso. Além da invasão destas quatro criaturas, todos os dias surgiam novas visitas, que iam ter connosco. O quintal do Ney era um mundo de brincadeiras para os miúdos, desde balançar na rede a tomar banho de mangueira. O Manel era sempre o primeiro a acordar, e saía sozinho para ver as galinhas.

Outro dos pilares do bairro de Santa Rafaela é a nossa amiga Deda. Seja por trabalhar no posto de saúde, seja pela participação activa na igreja, ela conhece toda a gente e põe-nos a par da vida do bairro, que cresceu bastante no número de casas desde a última vez que viemos. O bom é que o espírito de comunidade não se perdeu: ninguém faz cerimónia para entrar em casa do vizinho para dois dedos de conversa, e à noite as pessoas sentam-se na rua a aproveitar o ar mais fresco.

Na nossa curta estadia em Montes Claros, e no ritmo mais lento imposto pelos miúdos e pelo calor, distribuímos abraços pelo máximo de pessoas que conseguimos: a D. Socorro, matriarca do bairro, e a sua impecável descendência; a querida D. Maria, nossa vizinha do lado na primeira vinda; o novo restaurante da Marla; a D. Teresinha, que em tempos me ensinou que “o pouco com Deus é muito”; a Sueli e os seus filhos; a Chica e o Pipoca. Que nos perdoem todos os que gostávamos de ter visto e não conseguimos, mas não deu mesmo para esticar mais.

Antes de regressarmos a São Paulo, perguntámos à Luísa se achava aquele bairro parecido ou diferente de onde nós vivíamos. “Diferente”, respondeu. “Aqui não há prédios, só casas…” É esse olhar puro que tentaremos preservar neles o mais que pudermos. Essa empatia espontânea com o outro, venha donde vier, é um tesouro.

“Essa porta fica aberta até ‘cê voltar.” Assim se despediu a Vó Nela, acenando do portão, com a graça dos seus 82 anos. Se Deus quiser, havemos de voltar a bater-lhe à porta.

Sobre o autor

Tradutor, cronista da nostalgia no Observador, pai de família e apaixonado pela América Latina

Comentários

  1. Diana Jordao
    8 Novembro, 2016 às 12:07 am
    Responder

    Qui saudadji ne???!
    Fiquei feliz de saber que todas essas pessoas continuam cheias de vida!!

    • Tiago Tavares
      13 Novembro, 2016 às 10:17 am

      É verdade! E a imagem que levámos do vosso casamento também continua bem viva na igreja do bairro.

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